Eis mais um texto de nosso escritor, Jáder de Carvalho, no suplemento literário Maracajá. Esta folha cearense trouxe textos de vários escritores, nomes importantes do Modernismo em nosso estado, como Rachel de Queiroz, Sidney Netto e Mario de Andrade (do norte ou, simplesmente, daqui, como era intitulado por seus colegas literatos).
Nessa carta que Jáder escreve ao intelectual carioca Pascoal Carlos Magno, sentimos um pouco do clima do começo do Modernismo no Ceará. Além disso, Jáder de Carvalho já mostra nesse texto, publicado ainda no início de sua carreira, muito do seu estilo, com o humor que lhe é peculiar e o telurismo - Terra
amorosa e bôa, Paschoal! - sempre tão profundamente marcado em seus textos.
Detalhe da carta de Jáder de Carvalho, da edição impressa do suplemento Maracajá - primeiro número (7 de abril de 1929). |
Encontro
de dois batutas: Paschoal Carlos Magno e Jader de Carvalho
Paschoal Carlos Magno é um bicho danado. Meteu na
cabeça que devia vir ao norte e veiu mesmo. Veiu e está aqui. Com os caboclos
do Ceará. Com esta gente que o sul não conhece. Mas que inda há-de conhecer.
Quando o Brasil conhecer o Brasil. E a gente puder dizer pros ingleses e pros
americanos do norte: <<Deixa estar jacaré que a lagoa há-de
secar>>.
Paschoal trouxe uma mensagem pros nossos
estudantes. E fez um bonito discurso antes de entregar a mensagem. Em resposta,
Jader de Carvalho disse estas cousas bôas pro Paschoal:
PASCHOAL,
Perdôe o Ceará. Eu tive pena de
você, quando pensei no seu desembarque: você sósinho, carregado de livros do
sul, olhando a cidade indifferente.
Mas, Paschoal, você não se
zangou! Foi a nossa felicidade!
Nós, meu caro poeta, não temos
tempo para manifestações. E é assim ha tres seculos. Você não avalia o trabalho
que nos vem dando o Brasil. É lá brincadeira! Mal a gente acaba o Acre, já está
ouvindo o grito de São Paulo chamando a gente! Olhe: até o Perú precisou de
nós. Dá-se o suor, o braço, o sangue! E depois? Depois... o cearense se volta
de mãos vasias. E, si vem do Amazonas- aquella terra menina, onde mal reportam
os seios-é deste geito: escapando do impaludismo para morrer de beri-beri.
Num parenthesis, Paschoal:
Si é facto que o determinismo
geographico atirou os portuquezes á conquista, porque não descobrir-se nesse
nosso destino andejo o dedo de uma fatalidade?
Em você, meu meridional, eu não
vejo o universitario nem o modernista maluco. Antes, eu descubro em você a
chave disso que os do sul appellidam Brasil
brasileiro.
Eu tenho um quadro deante de mim.
Forte. Incisivo. Opportuno. É este: uma matrona italiana em cujo olhar esmaece
a ultima lembrança de uma paisagem latina. Um moço - á o filho da matrona - embriagado
do ceo americano, no ouvido o rythmo da musica brasileira, diz-lhe, pelos
olhos, que só ama o Brasil.
O moço? É o filho do alienigena
adaptado. É o fruto do caldemaneto das raças. É o homem que concretiza a
vitória do meio modelador. É você, Paschoal!
Paschoal: você veiu para este
fim: para o conhecimento reciproco de nortistas e sulistas. Pois seja benvindo!
Olhe: lá está a serra de Baturité. Vá subindo! Vá recordar São Paulo! Vá ver os
cafezaes! Não tem italianas bonitas? É o menos. Mas tem caboclas cheirosas,
dessas que rescendem a mangaba e jasmin. Beije a bocca de uma dellas, para ver
uma cousa! É um veneno! Não ha lábio de mulher branca que faça a gente
esquecer... Gostou, Paschoal? Pois desça. Vamos agora ao Cariry! Repare: é mais
bonito o valle do Parahiba?
Eu só tenho pena de uma cousa: é
de você estra com pressa. Senão eu lhe mostrava o Jaguaribe. E você ouviria,
commigo, a viola das várzeas. É só onde a viola é triste, meu amigo... quando o
rio transborda, e as várzeas se alagam, e as aguas arrancam as carnahubeiras, a
gente tem a impressão... a impressão, Paschoal, de que nas frondes que a
enxurrada leva-<<Pery vae salvando Cecy...>>
Poeta,
Quando você voltar para o sul,
você se recorde desta terra. Terra amorosa e bôa, Paschoal! Terra que, antes de
tudo, é o refugio da brasilidade!
E diga, Paschoal, aos estudantes
do Rio que nós recebemos e guardamos no coração as suas palavras de fé. E que
si nós, uma vez por outra, não damos signal de vida, é porque ainda não
terminou a obra que silenciosamente emprehendemos: a construcção do Brasil!
Paulo
Sarasate fez a legenda
O texto mostra o compromisso de Jáder com sua terra e o apurado senso crítico diante das questões nacionais.
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