domingo, 21 de julho de 2013

Memorabilia




No ano passado, visitamos a casa de Jáder, na Rua Agapito dos Santos, 389. Percorremos o sobrado que servira de habitação ao escritor até o fim de sua vida e onde funcionara a Terra do Sol, sua editora. Restam poucos vestígios da passagem de Jáder por lá, embora significativos. Uma espécie de sala abriga, ao centro, uma escrivaninha e uma cadeira, rodeadas pelo que hoje resta de sua biblioteca, resguardada em estantes de madeira; na parede, afixadas em muitos quadros de vidro, estão fotografias de ocasiões diversas – é possível identificar a figura de Jáder em ocasiões solenes (trajado formalmente, ao lado de outras pessoas) ou mais íntimas (uma foto, por exemplo, registra o momento em que Jáder tem uma criança em seus braços).
É ainda na sala que está uma escada em caracol que nos leva até o quarto de Jáder, único compartimento que justifica o segundo andar do prédio. Arquitetura simples, não há nada além de duas janelas e poeira. Os compartimentos que se seguem revelam, aqui e ali, alguma mobília. Há mesinhas, sofá e cadeiras, arcas, cômoda, cabide e um móvel amarelo que guarda utensílios de cozinha, como pratos, copos, xícaras e taças de sobremesa. Algumas telas de Cid de Carvalho, seu filho, descansam no sofá ou no chão. Há sinais de reformas recentes, pontuais marcas de cimento. Fiações pendem do teto. A ficha de visita domiciliar identifica três inspeções – a última no mês da nossa visita. No fim do terreno, emaranhados de vegetações se acomodam sobre ruínas de algumas construções. Entre elas, a céu aberto, resiste um cofre enferrujado, guardador de segredos que desconhecemos.

domingo, 26 de maio de 2013

O jornalista Jáder de Carvalho


Das várias faces de Jáder de Carvalho, a do jornalista formou-se quando ele ainda era menino. Foi uma face que nasceu com a admiração que o jovem tinha por um jornalista cearense, João Brígido (1829-1921), que se tornou sua grande influência.  
“Eu tinha uma verdadeira paixão por João Brígido. Quando eu morava em Fortaleza, o Unitário (jornal de João Brígido) era vendido a tostão, a cem réis, e eu ia esperar o vendedor na rua e comprar o jornal para o papai. [...] João Brígido morava ali, onde é o Fortaleza Hotel. Eu ia me colocar em frente à sua casa, e ele se deitava no sofá da sala, num camisolão de chita, e eu ficava olhando, contemplando João Brígido. Nunca cheguei a trocar uma palavra com ele.”*
Fruto dessa paixão, anos mais tarde, em 1969, Jáder publica a Antologia de João Brígido, uma homenagem àquele que foi sua grande inspiração no jornalismo.
Imagem do livro Antologia de João Brígido
Jáder de Carvalho, ao longo de sua vida, fundou vários jornais, mas o mais importante deles foi o Diário do Povo, criado em 1947. O jornal foi uma arma contra o governo da época, defendendo os direitos do povo. Seus ajudantes eram seus próprios alunos do Liceu, que precisavam de três requisitos para trabalhar no jornal: “ser bom aluno de História, ter a paixão jornalística e ser de briga.”**
Em 2011, foi lançado o livro Jáder de Carvalho e o Diário do Povo, de João Alfredo Montenegro - editado pelo Armazém da Cultura - que resgata a história de Jáder e de seu jornal, tão importantes para o jornalismo cearense.
Imagem do livro Jáder de Carvalho e o Diário do Povo


*Jáder em entrevista a Nirez. Trecho retirado do livro Jáder de Carvalho, de Ângela Barros Leal.
**Dórian Sampaio, um dos alunos eleitos por Jáder para ser seu ajudante no Diário do Povo. Trecho retirado do livro Jáder de Carvalho, de Ângela Barros Leal.

domingo, 19 de maio de 2013

Cinza e verde, tristeza e alegria no sertão

Em tempos de seca que vai-se indo com a chuva que vem chegando, não se torna lugar-comum lembrarmos um poema de Jáder de Carvalho que trata de tema constante nas obras de escritores cearenses: a seca. Afinal, como sertanejo quixadaense que bem conhece as tristezas e as alegrias do povo do sertão, o poeta, com todo o seu lirismo, soube cantar os sentimentos do sertanejo. 


Terra de Sol*


I

Dói na alma ver a seca no sertão:
toda a caatinga tem a cor da cinza;
a água do rio esconde-se na areia;
mugem as vacas dolorosamente.

As moças e os meninos (tão magrinhos!)
estão catando os últimos capulhos 
do algodoal. Ele florara em junho,
mesmo com a rara chuva que o molhou.

Verdes, apenas os mandacarus,
os xiquexiques e os ásperos juazeiros:
verdes, mas defendidos por espinhos!

Por sua vez, o homem também protege,
com a pouca fala e o rosto duro, a abelha
que lhe fabrica o mel no coração...


II

Abro a janela. A terra está feliz:
toda molhada, trêmula de frio.
Mas a cidade é muda nas calçadas:
ó meninos, já não gostais da chuva?

Minha terra se molha como a gente.
Quer dizer: na mais íntima alegria.
Ela mata saudades. Era tempo.
Como eu gosto das árvores na chuva!

Chuva não é somente o sono bom,
a música macia no telhado:
é o pão-nosso, também, de cada dia.

Feito as mulheres grávidas, a terra
vai ficar terna, vai ter olhos úmidos,
vai fechá-los, com medo dos relâmpagos...    


*Extraído do livro Temas Eternos (1973). 


 


domingo, 5 de maio de 2013

O poeta interdito: sobre a fortuna crítica de Jáder de Carvalho



A produção literária de Jáder de Carvalho conta com uma crítica que, por vezes – para não falar geralmente –, não lhe tem feito por completo o jus que merece. Foi o que se percebeu, durante as atividades do grupo de pesquisa Sertão-poesia, quando do levantamento de estudos que se debruçassem sobre o labor de JC. Posteriormente analisados, uma consideração é unânime: Jáder é constantemente lido por um viés determinante, o regionalista. Na edição de 1966 de Água da fonte, por exemplo, em seção destinada à exposição de comentários acerca da obra, não há um comentário que não mencione a configuração telúrica da poética jaderiana. No entanto, bem sabemos que não reside nisso a única preocupação do seu verso. Jáder é dono de uma crítica feita entre elogio, camaradagem e notas breves. Felizmente, ainda que com ressalvas, há quem trilhe outras veredas no julgamento crítico.
                No prefácio do livro Cantos da Morte, de 1967, F. S. Nascimento realiza, a nosso ver, um dos poucos estudos que se detêm mais demoradamente na escritura poética de Jáder de Carvalho. Já pelo título, “O Poeta, a Morte e o Sonho”, marca-se a postura do crítico em optar por uma análise que refuta a tendência de que se valem outras investigações – essas, invariavelmente, percorrem um caminho mais óbvio: priorizar a poesia jaderiana pelo que ela tem de regionalista. Nascimento não desconsidera o autor de Água da fonte enquanto poeta social, mas atenta à necessidade de lançar à luz “as incursões de Jáder de Carvalho na atmosfera intemporal do lirismo” (NASCIMENTO, 1967, p. 5). É desse lirismo e suas variações de que fala o referido estudo.
                São dois os títulos que norteiam a leitura crítica de F. S. Nascimento: Água da fonte (1966) e Cantos da morte (1967). No primeiro, revelam-se os elementos constituintes da faceta lírica da poética de Jáder, que, em síntese, são três: a infância (“bela e feliz”), a elegia (“de um passado brumoso e triste”) e o amor (que canta Lauras e Marias), ambos ativados pelo crivo das recordações de outrora. Nascimento constrói sua análise baseando-se em um diálogo possível entre os dois livros, pois, em se tratando do lirismo amoroso, acredita que “Jáder de Carvalho retoma nos Cantos da Morte o tema inicialmente explorado em Água da Fonte, oferecendo-nos uma coleção de trinta e um sonetos em cujos versos se descortina uma sequência de quadros, que vai desde a vigília da morta ao mistério insondável do nada” (NASCIMENTO, 1967, p. 7). Nesse sentido, o livro de 1966 se mostra como um ensaio para os temas que, um ano depois, seriam elaborados em um nível de complexidade maior, então validados e concretizados enquanto expressão poética. O crítico, então, enxerga, no livro de 1967, um marco na trajetória poética de JC.
                F. S. Nascimento nos fala, agora, de um amor que se quer sonhado. A poética jaderiana é lida à medida que transpõe os “limites da forma, criando uma atmosfera de sonho em que a imagem da sua Laura ascende a todas as escalas da elegia” (NASCIMENTO, 1967, p. 8). Aí reside uma nova possibilidade de estudo do signo poético: o crítico, sabendo da relevância e da profusão da vertente lírica na produção de Jáder de Carvalho, não se exime do papel de investigá-la – ao contrário do que fizera Pedro Lyra, que atesta a sua existência, mas a considera um regresso, partindo da ideia que “o poeta não tem nada a acrescentar ao nosso lirismo tradicional” (LIRA, 1981, p. 63). Nos trinta e um sonetos de Cantos da morte, Nascimento enfatiza o sentimento que compõe a inspiração poética da qual Jáder lança mão: o das “divagações pelo universo do sonho e da fantasia” (NASCIMENTO, 1967, p. 9). Nessa perspectiva, o poeta transita entre espaços poéticos, transige com o temporal, na tentativa assídua de evocar o vulto da amada morta – escolha estilística igualmente potencializada através da memória e do sonho. Por essa estratégia de criação poética, F. S. Nascimento coloca Jáder de Carvalho em lugar de relevo nos domínios da poesia, ao lado de um legado canônico deixado por Homero, Dante, Milton e Camões. Sem medo, o crítico sentencia: 

[...] nenhum outro poeta da língua portuguesa conseguiu levar tão longe a sua “experiência de morte”, extraindo do amor, da saudade, do sofrimento e do sonho um poema como este, intencionalmente feito de sonetos, e que tão fundo marcará o itinerário poético do seu criador (NASCIMENTO, 1967, p. 11).

                Se F. S. Nascimento, em “O Poeta, a Morte e o Sonho” (1967), opta por uma leitura crítica amparada em Água da fonte e Cantos da morte, Sânzio de Azevedo (1992), em “A trajetória poética de Jáder de Carvalho”, realiza um estudo que percorre a produção livresca do autor de Terra Bárbara, como o título não poderia deixar de sugerir. Nele, os comentários analíticos são feitos com maior brevidade, mas estão respaldados por um lúcido levantamento que categoriza cronologicamente o fazer poético jaderiano. Escritor polígrafo que fora (jornalista, romancista, sociólogo), caberia ao ofício da poesia guardar o lugar da posteridade para Jáder de Carvalho, como o crítico nos afirma:

“Mas quer-me parecer que esse homem de estilo inconfundível e personalidade marcante, cujo nome brilhou nas letras cearenses durante mais de meio século, há de ficar para a Posteridade, acima de tudo, como poeta: poeta lírico e social, de fortes notas telúricas” (AZEVEDO, 1992, p. 43).

                Como se percebe, Sânzio ressalta duas faces na poesia de JC: a lírica e a social – articulação para qual F. S. Nascimento também alertara no prefácio de 1967, quando nos é dito que “o lírico se confunde com o intérprete do homem que sofre” (NASCIMENTO, 1967, p. 5).
                Sânzio marca os gostos estéticos pelos quais a poesia de Jáder passeou. São três: parnasianismo, penumbrismo e modernismo. Nesse momento, a sua investigação se limita a identificá-los, referendando cada manifestação à exposição do poema que julga mais característico de cada estilo. Os apontamentos, rápidos que sejam, fornecem novos caminhos para a leitura da poesia de JC. Se as escolas são demarcadas, o mesmo se faz com os livros que abrigam o labor literário de Jáder: temos, então, Os Novos do Ceará no Primeiro Centenário da Independência do Brasil (1922), O Canto Novo da Raça (1927), Terra de Ninguém (1931) e Água da fonte (1966). Dos títulos que lista, o crítico registra algumas características, seja no poema-piada ao estilo modernista ou nos traços telúricos/regionalistas, “uma das notas mais características da poesia jaderiana” (AZEVEDO, 1992, p. 46).
                Azevedo atenta à importância da poesia social praticada pelo poeta cearense e, em tom de crítica, nos diz que “Jáder de Carvalho foi, no verso, o que foi na vida: um combatente autêntico” (AZEVEDO, 1992, p. 49), em uma clara alusão aos poetas que “fala[m] da luta do proletariado com um copo de uísque na mão” (ibidem). Sânzio não se esquece de outros eixos temáticos que gravitam no entorno da poesia de Jáder, como as lembranças, as tristezas, o amor e a morte – embora se limite apenas a citá-los, retomando o estudo de F. S. Nascimento. É o próprio crítico que nos revela, em transcrição de uma conversa que tivera com Jáder, entre 72 e 73, a queixa do poeta em ser cobrado pela prática da poesia social, quando, na verdade, nunca deixara de ser lírico. É, portanto, no entre-lugar dessas tensões que se realiza a fortuna crítica de Jáder de Carvalho: priorizando temas, marginalizando outros, quando, não-raramente, limitando-se à crítica do elogio ou da superficialidade.

Referências

AZEVEDO, Sânzio de. A trajetória poética de Jáder de Carvalho. In: ______. Novos ensaios de literatura cearense. Fortaleza: UFC; Casa José de Alencar, 1992, p. 43-51.

CARVALHO, Jáder de. Água da Fonte. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966.

NASCIMENTO, F. S. O Poeta, a Morte e o Sonho. In: CARVALHO, Jáder de. Cantos da Morte. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1967.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Um encontro com o poeta.


Há mais ou menos um ano, nosso grupo fez a primeira visita à terra natal de Jáder de Carvalho. Um momento bastante singular foi, quando, subindo a Serra do Estevão, viu-se, ao longe, linda árvore florida em rosa. Envoltos na poesia de Jáder de Carvalho, tal momento não poderia ser visto de modo menos poético. Não há registro fotográfico, é a memória que nos traz novamente o momento:

Foi então que veio a grande ideia de visitar o poeta.
Por onde andava o senhor das tantas saudades, menino eterno, poeta solitário?
Vamos a Quixadá! - soprou o vento sertanejo, que Jáder estaria lá.
E o caminho foi feito.
Haja verde cajueiro, haja ocre terra, haja cinza.
Haja casa na beira da estrada, agora, moderna estrada.
Haja monólito que se coloque imponente no horizonte,
Sentinela a resguardar o berço do poeta valente.
Chegada à terra de Jáder, haja memória daqueles que não deixam que o passado passe.
A terra de Jáder está mudada, mas a natureza ainda o traz.
Se o poeta escreve a paisagem que percebe, ela é só sua
O leitor, no texto-poesia, o que vê?
Não há ali uma paisagem-poeta?
E, vendo a paisagem quixadaense, não foi mesmo Jáder que assim nos (a)pareceu?
Derrubaram a casa do poeta e a Serra do Estevão está bem mudada,
Mas o sertão ainda é sertão
E a quem aprendeu a enxergar o sertão-poesia de Jáder,
Não pôde ter outra ideia ao ver o ipê rosa florido
Solitário em meio ao verde do serrote,
Era Jáder sorrindo ao dizer:
Essa é minha terra natal!

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Centro Cultural Jáder de Carvalho é inaugurado hoje em Fortaleza

É com muita satisfação que o nosso blog traz uma ótima notícia para os amantes da literatura de Jáder de Carvalho: um centro cultural em sua homenagem será inaugurado hoje às 20 horas na Avenida Beira Mar, em frente ao Náutico Atlético Cearense.
O Centro Cultural Jáder de Carvalho é uma merecida homenagem ao nosso poeta, que, sem dúvidas, foi um dos grandes escritores de nossas terras e que não deve permanecer apenas na memória de seus admiradores, mas, sim, possar a ser reconhecido pelo povo da cidade que ele escolheu para viver. 
Veja mais informações aqui.


Fonte: Jornal O Povo


domingo, 7 de abril de 2013

Um poeta entre o sertão e o mar

 
Nosso escritor Jáder de Carvalho foi um homem apaixonado pelo sertão quixadaense, terra de suas origens. Entretanto, a cidade, com suas praças, seresteiros e moças nas janelas, também encantou o poeta.
Em seus poemas, cantou o sertão de sua infância, marcado pela seca e pela alegria das gentes ao ver a chuva molhando a terra; cantou a vida no campo, onde "grasnam bandos de marrecas"* e sente-se "o cheiro bom do gado"*. Por outro lado, dedicou belos versos à Fortaleza antiga, de "ruas tranquilas"** e noites em que se podia escutar "os bramidos do mar no Paredão"**. 
É desse homem entre o sertão e o mar, entre Quixadá e Fortaleza, que fala o poema a seguir, extraído de Temas Eternos (1973).  
 
 
Sertão e Mar
 
O sertão me chamava. Eu tive pena.
E, em madrugada que jamais esqueço,
eis-me no trem. A máquina apitou.
Chegara a hora - o coração me disse.
 
A máquina cansava nas subidas.
Nas curvas os apitos se estiravam,
num longo adeus a tudo que ficara
na linha azul do mar, de que eu fugia.
 
Ah, na fumaça da locomotiva,
que se encurvava aos ventos da viagem,
ia o meu lenço, a minha despedida.
 
Amoroso do mato e da cidade,
se me alegrava o cheiro do sertão,
como gemia o mar dentro de mim!
 
 
 
*Trechos do poema "Noite no sertão", em Temas Eternos (1973).
**Trechos de "Sonetos para Fortaleza", em Temas Eternos (1973).