A produção literária de
Jáder de Carvalho conta com uma crítica que, por vezes – para não falar
geralmente –, não lhe tem feito por completo o jus que merece. Foi o que se
percebeu, durante as atividades do grupo de pesquisa Sertão-poesia, quando do
levantamento de estudos que se debruçassem sobre o labor de JC. Posteriormente
analisados, uma consideração é unânime: Jáder é constantemente lido por um viés
determinante, o regionalista. Na edição de 1966 de Água da fonte, por exemplo, em seção destinada à exposição de
comentários acerca da obra, não há um comentário que não mencione a
configuração telúrica da poética jaderiana. No entanto, bem sabemos que não
reside nisso a única preocupação do seu verso. Jáder é dono de uma crítica
feita entre elogio, camaradagem e notas breves. Felizmente, ainda que com
ressalvas, há quem trilhe outras veredas no julgamento crítico.
No prefácio do livro Cantos da Morte, de 1967, F. S. Nascimento realiza, a nosso ver, um
dos poucos estudos que se detêm mais demoradamente na escritura poética de
Jáder de Carvalho. Já pelo título, “O Poeta, a Morte e o Sonho”, marca-se a
postura do crítico em optar por uma análise que refuta a tendência de que se
valem outras investigações – essas, invariavelmente, percorrem um caminho mais
óbvio: priorizar a poesia jaderiana pelo que ela tem de regionalista.
Nascimento não desconsidera o autor de Água
da fonte enquanto poeta social, mas atenta à necessidade de lançar à luz
“as incursões de Jáder de Carvalho na atmosfera intemporal do lirismo” (NASCIMENTO,
1967, p. 5). É desse lirismo e suas variações de que fala o referido estudo.
São dois os títulos que norteiam a leitura crítica de
F. S. Nascimento: Água da fonte
(1966) e Cantos da morte (1967). No
primeiro, revelam-se os elementos constituintes da faceta lírica da poética de
Jáder, que, em síntese, são três: a infância (“bela e feliz”), a elegia (“de um
passado brumoso e triste”) e o amor (que canta Lauras e Marias), ambos ativados
pelo crivo das recordações de outrora. Nascimento constrói sua análise
baseando-se em um diálogo possível entre os dois livros, pois, em se tratando
do lirismo amoroso, acredita que “Jáder de Carvalho retoma nos Cantos da Morte o tema inicialmente
explorado em Água da Fonte,
oferecendo-nos uma coleção de trinta e um sonetos em cujos versos se descortina
uma sequência de quadros, que vai desde a vigília da morta ao mistério
insondável do nada” (NASCIMENTO, 1967, p. 7). Nesse sentido, o livro de 1966 se
mostra como um ensaio para os temas que, um ano depois, seriam elaborados em um
nível de complexidade maior, então validados e concretizados enquanto expressão
poética. O crítico, então, enxerga, no livro de 1967, um marco na trajetória
poética de JC.
F.
S. Nascimento nos fala, agora, de um amor que se quer sonhado. A poética
jaderiana é lida à medida que transpõe os “limites da forma, criando uma
atmosfera de sonho em que a imagem da sua Laura ascende a todas as escalas da
elegia” (NASCIMENTO, 1967, p. 8). Aí reside uma nova possibilidade de estudo do
signo poético: o crítico, sabendo da relevância e da profusão da vertente
lírica na produção de Jáder de Carvalho, não se exime do papel de investigá-la
– ao contrário do que fizera Pedro Lyra, que atesta a sua existência, mas a
considera um regresso, partindo da ideia que “o poeta não tem nada a
acrescentar ao nosso lirismo tradicional” (LIRA, 1981, p. 63). Nos trinta e um
sonetos de Cantos da morte,
Nascimento enfatiza o sentimento que compõe a inspiração poética da qual Jáder
lança mão: o das “divagações pelo universo do sonho e da fantasia” (NASCIMENTO,
1967, p. 9). Nessa perspectiva, o poeta transita entre espaços poéticos,
transige com o temporal, na tentativa assídua de evocar o vulto da amada morta
– escolha estilística igualmente potencializada através da memória e do sonho.
Por essa estratégia de criação poética, F. S. Nascimento coloca Jáder de
Carvalho em lugar de relevo nos domínios da poesia, ao lado de um legado
canônico deixado por Homero, Dante, Milton e Camões. Sem medo, o crítico
sentencia:
[...] nenhum outro poeta da língua portuguesa
conseguiu levar tão longe a sua “experiência de morte”, extraindo do amor, da
saudade, do sofrimento e do sonho um poema como este, intencionalmente feito de
sonetos, e que tão fundo marcará o itinerário poético do seu criador
(NASCIMENTO, 1967, p. 11).
Se F. S. Nascimento, em “O Poeta, a Morte e o Sonho”
(1967), opta por uma leitura crítica amparada em Água da fonte e Cantos da
morte, Sânzio de Azevedo (1992), em “A trajetória poética de Jáder de
Carvalho”, realiza um estudo que percorre a produção livresca do autor de Terra Bárbara, como o título não poderia
deixar de sugerir. Nele, os comentários analíticos são feitos com maior
brevidade, mas estão respaldados por um lúcido levantamento que categoriza
cronologicamente o fazer poético jaderiano. Escritor polígrafo que fora
(jornalista, romancista, sociólogo), caberia ao ofício da poesia guardar o
lugar da posteridade para Jáder de Carvalho, como o crítico nos afirma:
“Mas quer-me parecer que esse homem de estilo
inconfundível e personalidade marcante, cujo nome brilhou nas letras cearenses
durante mais de meio século, há de ficar para a Posteridade, acima de tudo,
como poeta: poeta lírico e social, de fortes notas telúricas” (AZEVEDO, 1992,
p. 43).
Como se percebe, Sânzio ressalta duas faces na poesia
de JC: a lírica e a social – articulação para qual F. S. Nascimento também
alertara no prefácio de 1967, quando nos é dito que “o lírico se confunde com o
intérprete do homem que sofre” (NASCIMENTO, 1967, p. 5).
Sânzio marca os gostos estéticos pelos quais a poesia
de Jáder passeou. São três: parnasianismo, penumbrismo e modernismo. Nesse
momento, a sua investigação se limita a identificá-los, referendando cada
manifestação à exposição do poema que julga mais característico de cada estilo.
Os apontamentos, rápidos que sejam, fornecem novos caminhos para a leitura da
poesia de JC. Se as escolas são demarcadas, o mesmo se faz com os livros que
abrigam o labor literário de Jáder: temos, então, Os Novos do Ceará no Primeiro Centenário da Independência do Brasil
(1922), O Canto Novo da Raça (1927), Terra de Ninguém (1931) e Água da fonte (1966). Dos títulos que
lista, o crítico registra algumas características, seja no poema-piada ao
estilo modernista ou nos traços telúricos/regionalistas, “uma das notas mais
características da poesia jaderiana” (AZEVEDO, 1992, p. 46).
Azevedo atenta à importância da poesia social
praticada pelo poeta cearense e, em tom de crítica, nos diz que “Jáder de
Carvalho foi, no verso, o que foi na vida: um combatente autêntico” (AZEVEDO, 1992,
p. 49), em uma clara alusão aos poetas que “fala[m] da luta do proletariado com
um copo de uísque na mão” (ibidem). Sânzio não se esquece de outros eixos
temáticos que gravitam no entorno da poesia de Jáder, como as lembranças, as
tristezas, o amor e a morte – embora se limite apenas a citá-los, retomando o
estudo de F. S. Nascimento. É o próprio crítico que nos revela, em transcrição
de uma conversa que tivera com Jáder, entre 72 e 73, a queixa do poeta em ser
cobrado pela prática da poesia social, quando, na verdade, nunca deixara de ser
lírico. É, portanto, no entre-lugar dessas tensões que se realiza a fortuna
crítica de Jáder de Carvalho: priorizando temas, marginalizando outros, quando,
não-raramente, limitando-se à crítica do elogio ou da superficialidade.
Referências
AZEVEDO, Sânzio de. A trajetória poética de Jáder
de Carvalho. In: ______. Novos ensaios
de literatura cearense. Fortaleza: UFC; Casa José de Alencar, 1992, p.
43-51.
CARVALHO, Jáder de. Água da Fonte. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966.
NASCIMENTO, F. S. O Poeta, a Morte e o Sonho. In:
CARVALHO, Jáder de. Cantos da Morte.
Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1967.