domingo, 5 de maio de 2013

O poeta interdito: sobre a fortuna crítica de Jáder de Carvalho



A produção literária de Jáder de Carvalho conta com uma crítica que, por vezes – para não falar geralmente –, não lhe tem feito por completo o jus que merece. Foi o que se percebeu, durante as atividades do grupo de pesquisa Sertão-poesia, quando do levantamento de estudos que se debruçassem sobre o labor de JC. Posteriormente analisados, uma consideração é unânime: Jáder é constantemente lido por um viés determinante, o regionalista. Na edição de 1966 de Água da fonte, por exemplo, em seção destinada à exposição de comentários acerca da obra, não há um comentário que não mencione a configuração telúrica da poética jaderiana. No entanto, bem sabemos que não reside nisso a única preocupação do seu verso. Jáder é dono de uma crítica feita entre elogio, camaradagem e notas breves. Felizmente, ainda que com ressalvas, há quem trilhe outras veredas no julgamento crítico.
                No prefácio do livro Cantos da Morte, de 1967, F. S. Nascimento realiza, a nosso ver, um dos poucos estudos que se detêm mais demoradamente na escritura poética de Jáder de Carvalho. Já pelo título, “O Poeta, a Morte e o Sonho”, marca-se a postura do crítico em optar por uma análise que refuta a tendência de que se valem outras investigações – essas, invariavelmente, percorrem um caminho mais óbvio: priorizar a poesia jaderiana pelo que ela tem de regionalista. Nascimento não desconsidera o autor de Água da fonte enquanto poeta social, mas atenta à necessidade de lançar à luz “as incursões de Jáder de Carvalho na atmosfera intemporal do lirismo” (NASCIMENTO, 1967, p. 5). É desse lirismo e suas variações de que fala o referido estudo.
                São dois os títulos que norteiam a leitura crítica de F. S. Nascimento: Água da fonte (1966) e Cantos da morte (1967). No primeiro, revelam-se os elementos constituintes da faceta lírica da poética de Jáder, que, em síntese, são três: a infância (“bela e feliz”), a elegia (“de um passado brumoso e triste”) e o amor (que canta Lauras e Marias), ambos ativados pelo crivo das recordações de outrora. Nascimento constrói sua análise baseando-se em um diálogo possível entre os dois livros, pois, em se tratando do lirismo amoroso, acredita que “Jáder de Carvalho retoma nos Cantos da Morte o tema inicialmente explorado em Água da Fonte, oferecendo-nos uma coleção de trinta e um sonetos em cujos versos se descortina uma sequência de quadros, que vai desde a vigília da morta ao mistério insondável do nada” (NASCIMENTO, 1967, p. 7). Nesse sentido, o livro de 1966 se mostra como um ensaio para os temas que, um ano depois, seriam elaborados em um nível de complexidade maior, então validados e concretizados enquanto expressão poética. O crítico, então, enxerga, no livro de 1967, um marco na trajetória poética de JC.
                F. S. Nascimento nos fala, agora, de um amor que se quer sonhado. A poética jaderiana é lida à medida que transpõe os “limites da forma, criando uma atmosfera de sonho em que a imagem da sua Laura ascende a todas as escalas da elegia” (NASCIMENTO, 1967, p. 8). Aí reside uma nova possibilidade de estudo do signo poético: o crítico, sabendo da relevância e da profusão da vertente lírica na produção de Jáder de Carvalho, não se exime do papel de investigá-la – ao contrário do que fizera Pedro Lyra, que atesta a sua existência, mas a considera um regresso, partindo da ideia que “o poeta não tem nada a acrescentar ao nosso lirismo tradicional” (LIRA, 1981, p. 63). Nos trinta e um sonetos de Cantos da morte, Nascimento enfatiza o sentimento que compõe a inspiração poética da qual Jáder lança mão: o das “divagações pelo universo do sonho e da fantasia” (NASCIMENTO, 1967, p. 9). Nessa perspectiva, o poeta transita entre espaços poéticos, transige com o temporal, na tentativa assídua de evocar o vulto da amada morta – escolha estilística igualmente potencializada através da memória e do sonho. Por essa estratégia de criação poética, F. S. Nascimento coloca Jáder de Carvalho em lugar de relevo nos domínios da poesia, ao lado de um legado canônico deixado por Homero, Dante, Milton e Camões. Sem medo, o crítico sentencia: 

[...] nenhum outro poeta da língua portuguesa conseguiu levar tão longe a sua “experiência de morte”, extraindo do amor, da saudade, do sofrimento e do sonho um poema como este, intencionalmente feito de sonetos, e que tão fundo marcará o itinerário poético do seu criador (NASCIMENTO, 1967, p. 11).

                Se F. S. Nascimento, em “O Poeta, a Morte e o Sonho” (1967), opta por uma leitura crítica amparada em Água da fonte e Cantos da morte, Sânzio de Azevedo (1992), em “A trajetória poética de Jáder de Carvalho”, realiza um estudo que percorre a produção livresca do autor de Terra Bárbara, como o título não poderia deixar de sugerir. Nele, os comentários analíticos são feitos com maior brevidade, mas estão respaldados por um lúcido levantamento que categoriza cronologicamente o fazer poético jaderiano. Escritor polígrafo que fora (jornalista, romancista, sociólogo), caberia ao ofício da poesia guardar o lugar da posteridade para Jáder de Carvalho, como o crítico nos afirma:

“Mas quer-me parecer que esse homem de estilo inconfundível e personalidade marcante, cujo nome brilhou nas letras cearenses durante mais de meio século, há de ficar para a Posteridade, acima de tudo, como poeta: poeta lírico e social, de fortes notas telúricas” (AZEVEDO, 1992, p. 43).

                Como se percebe, Sânzio ressalta duas faces na poesia de JC: a lírica e a social – articulação para qual F. S. Nascimento também alertara no prefácio de 1967, quando nos é dito que “o lírico se confunde com o intérprete do homem que sofre” (NASCIMENTO, 1967, p. 5).
                Sânzio marca os gostos estéticos pelos quais a poesia de Jáder passeou. São três: parnasianismo, penumbrismo e modernismo. Nesse momento, a sua investigação se limita a identificá-los, referendando cada manifestação à exposição do poema que julga mais característico de cada estilo. Os apontamentos, rápidos que sejam, fornecem novos caminhos para a leitura da poesia de JC. Se as escolas são demarcadas, o mesmo se faz com os livros que abrigam o labor literário de Jáder: temos, então, Os Novos do Ceará no Primeiro Centenário da Independência do Brasil (1922), O Canto Novo da Raça (1927), Terra de Ninguém (1931) e Água da fonte (1966). Dos títulos que lista, o crítico registra algumas características, seja no poema-piada ao estilo modernista ou nos traços telúricos/regionalistas, “uma das notas mais características da poesia jaderiana” (AZEVEDO, 1992, p. 46).
                Azevedo atenta à importância da poesia social praticada pelo poeta cearense e, em tom de crítica, nos diz que “Jáder de Carvalho foi, no verso, o que foi na vida: um combatente autêntico” (AZEVEDO, 1992, p. 49), em uma clara alusão aos poetas que “fala[m] da luta do proletariado com um copo de uísque na mão” (ibidem). Sânzio não se esquece de outros eixos temáticos que gravitam no entorno da poesia de Jáder, como as lembranças, as tristezas, o amor e a morte – embora se limite apenas a citá-los, retomando o estudo de F. S. Nascimento. É o próprio crítico que nos revela, em transcrição de uma conversa que tivera com Jáder, entre 72 e 73, a queixa do poeta em ser cobrado pela prática da poesia social, quando, na verdade, nunca deixara de ser lírico. É, portanto, no entre-lugar dessas tensões que se realiza a fortuna crítica de Jáder de Carvalho: priorizando temas, marginalizando outros, quando, não-raramente, limitando-se à crítica do elogio ou da superficialidade.

Referências

AZEVEDO, Sânzio de. A trajetória poética de Jáder de Carvalho. In: ______. Novos ensaios de literatura cearense. Fortaleza: UFC; Casa José de Alencar, 1992, p. 43-51.

CARVALHO, Jáder de. Água da Fonte. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966.

NASCIMENTO, F. S. O Poeta, a Morte e o Sonho. In: CARVALHO, Jáder de. Cantos da Morte. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1967.

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