“Povo foi comemorar a queda
aparente da ditadura"
Entrevista a Fenelon de
Almeida
Quando sentimos escassear, no
Ceará, os verdadeiros jornalistas, aqueles que exercem com decoro e
independência a sua profissão, desincumbindo-se da missão de, informando,
formar ou transformar a opinião pública, aqui estamos para falar de Jáder de
Carvalho, o maior jornalista cearense em nosso tempo. Dia 29 último, ele viu
transcorrer o seu 83º aniversário natalício. E continua a mesma fortaleza
inexpugnável de lucidez e destemor.
Falar de Jáder jornalista é
também falar do poeta e do romancista e do professor. Nele estão intimamente
associadas essas quatro facetas de sua atividade intelectual, integradas num só
biotipo. O poeta, o professor e o jornalista estão xifopagamente interligados,
e são indissociáveis. Tem sido assim, através dos anos. O pensamento diretor da
obra de Jáder de Carvalho é sempre o mesmo, desde quando ele faz versos, dá
aulas de História e emprega a sua pena de grande jornalista. Em qualquer um
desses momentos, disponta o sociólogo. E um só pensamento avulta em sua mente:
a libertação social, econômica e cultural do povo nordestino. Povo é o universo
em que se situa tudo quanto ele há feito ou deixou de fazer.
Falar desse mundo é o que
aqui se propõe. Entretanto, não nos atrevemos a abordá-lo diretamente, com
palavras nossas. Só serviriam para desfigurar-lhe a imagem de grande mestre das
letras cearenses. Vamos tentar delinear os traços de sua individualidade,
valendo-nos de suas próprias palavras. Queremos deixar a ele mesmo a tarefa de
revelar-se aos das novas gerações. A nossa participação vai restringir-se à
escolha dos enfoques. A revelação será sua. Ninguém melhor do que Jáder de
Carvalho para falar de Jáder de Carvalho.
Poeta, professor,
jornalista... Qual dos três nasceu primeiro?
O indivíduo Jáder de Carvalho
nasceu na Serra do Estêvão (Quixadá), a 29 de dezembro de 1901. O jornalista em
1917, na cidade de Iguatu. Deste modo: meu pai, Francisco Adolfo Carvalho,
arrendou uma tipografia ociosa, de propriedade do farmacêutico Arnaud. Nela,
compus e imprimi um pequeno semanário de letras, todo escrito por mim, exceto
os infalíveis sonetos de Bilac. Meu genitor mantinha um bem freqüentado
Externato. No mesmo ano de 17, comecei a ensinar. Por sinal, Português. O livro
adotado para análise gramatical e lógica era o "Iracema", de Alencar,
ou seja, o maior poema do Brasil, em todos os tempos. O poeta veio ao mundo em
1919, dois anos depois. Eu estudava no Liceu do Ceará. Como aprendi a arte
gráfica, para compor e imprimir meu semanário, acima citado? Assim: meu pai, em
1911, era sócio da "American Typography", localizada na Praça do
Ferreira, lado do sol. Meu professor foi o então tipógrafo Gastão Justa, que
morreu acadêmico de letras. Fui, com muita saudade, o orador da Academia
Cearense no seu enterro, no São João Batista. Pouca gente. Muitas lágrimas da
família. Poeta, jornalista e professor... Todos vivos, em companhia do
sociólogo. O advogado, esse, para alegria minha, está bem morto. Enterrou-se
numa aposentadoria.
Você escreveu um romance
intitulado "A Criança Vive", no qual consegue provar que o espírito
de criança não morre nunca no ser humano, perdurando no homem adulto. Pode
falar de sua infância?
Quase não tive infância. Amadureci
muito cedo. Minha mãe (Coitadinha! Morreu tão moça!) foi quem me viu sempre
menino.
Ficou de vir. Mas ainda não
chegou.
E o que mais o entristeceu?
Fez alguma coisa da qual se
tenha arrependido?
Fiz. Obedeci à Margarida (sua
mulher), formando-me em Direito. Meu lugar era na Psicanálise. Fui, no Ceará, o
primeiro a ler Freud. Todos os anos, atualizo-me na Psicologia Profunda. No
Brasil, dentro dela, tive um amigo e mestre: Gastão Pereira da Silva. Mais
velho do que eu, acaba de publicar, em seis volumes, uma obra que não pode
deixar de ser lida: "Psicologia da Vida Moderna". Nessa obra, vem o
retrato de Freud em corpo inteiro.
Gostaria de pedir desculpa ou
perdão a alguém?
Homem-homem não pede perdão a
ninguém. Desculpa? Deve pedir. Depois de fechar o "Diário do Povo",
procurei, com humildade, todos aqueles a quem ofendi com muita coragem, mas
injustamente. E fui desculpado, com muita alegria por todas as vítimas, da
minha cabeça quente. Cabeça pegando fogo, sem condições de julgar sem pecado.
Cabeça, enfim, de quem nasce com destino de fazer oposição a todos e a tudo.
Pode falar também da Imprensa
cearense, como um todo, nos dias atuais? Os jornais de hoje são melhores ou
piores do que os de antigamente?
De Getúlio até hoje - senão
com muito perigo - não pôde existir uma imprensa de verdade, quanto ao
posicionamento político ou ideológico dos jornais. Num regime de brutalidade e
corrupções, somente pequenos jornais, quase sem leitores, circulam às
escondidas e sempre com perigo de apreensão. Em Fortaleza, não se deve negar o
progresso material da Imprensa de informação e crítica social e política.
Jornais do Ceará já podem ser lidos nas metrópoles do Brasil. Por falar em
imprensa: não quero esconder o que os cearenses de hoje ignoram. O jornal mais
bem escrito e de feição mais artística foi o "Jornal do Comércio",
fundado nesta Capital em 1924. Diretor: Raimundo do Monte Arrais, renomado
constitucionalista. Redator-chefe: Elcias Lopes, uma das grandes figuras da
imprensa do Ceará, hoje totalmente esquecido. Redatores principais: Clóvis
Monteiro, filólogo, anos depois nome nacional, e Manuel Monteiro, excelente
cronista barroco. Redatores auxiliares: eu e o futuro cunhado Francisco Sabóia,
grande estudioso da língua portuguesa, elogiado, sem favor, por Mário Barreto.
LIMITAÇÕES E IMPOSIÇÕES
O Nordeste, como Polígono das
Secas, ainda o preocupa?
Nordeste e Polígono não se
confundem. As secas ultrapassaram, primeiro, as fronteiras nordestinas e, logo
depois, as do Polígono. Hoje, para mim, existe o Brasil semi-árido, reino
macabro dos grandes verões periódicos, que vai do Leste maranhense ao Norte de
Minas, abrangendo, total ou parcialmente, cerca de 10 Estados. Assim, as secas
já não caracterizam apenas o Nordeste e o Polígono, mas o Brasil semi-árido, de
vasta extensão territorial.
A seu ver, há uma saída para
este subdesenvolvimento crônico? Qual?
Com a presença do FMI dentro
do Governo da República - presença marcada por limitações e imposições que
ferem frontalmente o poder e a soberania nacional - não vejo saída alguma.
Falta-nos a bravura de Cuba e da Nicarágua para enfrentar (ou vencer) o
imperialismo norte-americano. Tremo pelo destino deste País, que as
multinacionais não pagam imposto, em detrimento das empresas brasileiras, e
tecnocratas indesejáveis, sob o comando de militares reformados, enriquecem,
assombrosamente, da noite para o dia, sob os olhos conformados do povo.
Acredito que o Brasil alcançará, em período não muito longo (se não for
logicamente desmembrado), um lugar que o espera entre as potências mundiais.
Sem escravidão de qualquer tipo, poderíamos planejar e construir.
Por que, até hoje, não se
encorajou essa mensagem?
Fácil de responder, embora o
vento leve minhas palavras, enquanto passa ao longo as mentiras pagas e
desonestas de Delfim Neto. Apesar de tudo, em relação à parte deste País,
esquematizei o livro "Brasil semi-árido". Sugestão para a solução dos
problemas: antigos e novos. Nesse modesto ensaio, passo longe do resto do
Brasil. E passo por isto: num regime militar, reforçado por sua incompetência e
inegável conspiração, livros, opiniões, conselhos de paisanos jamais seriam
aceitos. Nada espero de Tancredo Neves. O País, às mãos de militares inativos e
economistas monetaristas, já não passa de doente grave, anestesiado, na mesa de
operações, à espera de cirurgia. O pior é isto: não existem cirurgiões de
extirpação do câncer, principalmente quando tomou conta da carne, do sangue e -
quem sabe? - da alma.
A Sudene esvaziou-se, morreu
mesmo, ainda será a solução para o Nordeste?
Como viu, já não aceito a
discriminação pensada e humilhante: Nordeste das secas. Existe sim, as secas do
Brasil semi-árido. Para que valeria uma Sudene destinada aos problemas
climáticos e econômicos de uma área imensa, constituída de uma dezena de
Estados?
Que nos diz da bandeira
empunhada pelo jornalista e professor Paulo Bonavides?
A América Espanhola continuou
esposada depois de dividida em países. O Brasil, unido pela língua portuguesa e
religião católica é, contudo, um país repartido em numerosas regiões naturais,
com a suas características absolutamente indestrutíveis. Nada mais lógico do
que imitar-se o exemplo da América hispânica, para acabar com esse patriotismo
idiota de um Povo Uno porque nele se fala e se reza do mesmo modo. Eu - não
tremo, ao dizê-lo - seria hoje feliz se pudesse dizer ou escrever: Jáder de
Carvalho, cidadão da Confederação do Equador.
Bonavides sustenta que a
autonomia das grandes regiões naturais do Brasil é "um dos remédios
destinados a cicatrizar a ferida centralizadora e estatizante no organismo da
Nação", concorda?
De modo absoluto. Um mesmo
pensamento nasceu em cérebros diferentes, sem haver conversa entre duas
cabeças. Não é de espantar que sempre existiu muita finidade entre o meu
pensamento e o de Paulo Bonavides. Razão: nós estudamos muito e, no caso do
problema brasileiro de que se trata desta entrevista, temos a coragem de pensar
com independência, à luz da Geografia Humana e de outras ciências, dessa
convocação a gente não pode prescindir.
O NORDESTE NA LITERATURA
Fazendo literatura, você
chegou a filiar-se a algum movimento de renovação literária?
Filiei-me ao Modernismo de
22. Fiz uma poesia equilibrada, como a que se encontra ao longo da minha vida
poética. Antecipei-me ao Modernismo de 45. Aliás, devo esclarecer que não estou
ferindo as melindres de certa gente, dizendo-me modernista. Tenho provas.
Em que consistiu sua
participação?
Publiquei "Canto Novo da
Raça", em parceria com Sidney Neto, Franklin Nascimento e Mozart Firmeza
(1927). Em 1930 estava nas livrarias meu "Terra de Ninguém". Antônio
Girão Barroso, com muita honra para mim, coloca esse livro entre os dez maiores
saídos do Movimento Modernista no Brasil.
Sinto-me igualmente atuante e
atual no romance e na poesia. No romance, contra a vontade dos que se dizem
mestres. Na poesia, cabem os meus problemas de sempre: a dor dos oprimidos,
honras aos povos e raças.
NATURALISMO SOCIAL
Você sempre disse ser um
homem telúrico. Como se sente na vida urbana?
Renovo o meu telurismo com o
livro "Terra Bárbara" em véspera de segunda edição acrescida dos
sonetos nordestinos, espalhados em minha obra poética. Na cidade, sou um
sozinho no meio da multidão. Ah, como me dói a ausência da fazendola
"Lisboa", onde tanto conversava com as ovelhas!
Que fazer, para conter-se a
poluição e tratar-se o meio ambiente? Solução técnica ou política?
Expulsar do Poder os
dirigentes analfabetos. A Ecologia, no Ceará - já o disse alhures - é a mais
recente descoberta da UFC. Desgraçadamente, ainda não funcionou, mesmo em
Fortaleza, às barbas da sapiência oficializada. A Técnica e a Política não
podem deixar de conviver, na preservação do meio ambiente. Por infelicidade, no
Brasil, principalmente nos centros industriais, já existe a urgente necessidade
de recriar-se o meio ambiente. O primitivo, esse o homem destruiu, aliás
esquecido de si mesmo.
Por que não regressou ao
sertão, depois da aposentadoria?
Porque me faltou dinheiro
para comprar outra fazenda, outras vacas, outras cabras, outras ovelhas. A
"Lisboa", eu a vendi, forçado pelo Banco do Nordeste, que somente
agora descobriu o seu papel na economia do Semi-Árido, ou seja, a quase imensa
região brasileira castigada pelas chamadas secas periódicas. Entre parêntese:
nessa região, principalmente no Nordeste, as piores secas têm sido os governos
- tanto o federal como os estaduais.
Qual, hoje, é o seu principal
entretenimento? Gosta de ver televisão?
A televisão, no Brasil,
perdeu o sentido cultural que deveria ter. Nela, a Roberta Close aparece com
muito mais prestígio do que os grandes intelectuais, os grandes cientistas. Não
falo em grandes políticos, por esta razão: no Brasil não existem políticos, no
sentido científico da palavra, mas simples compradores de votos, apesar da
imensa austeridade do Superior Tribunal Eleitoral, cujos juízes sempre leram a
Constituição de cima para baixo ou de trás para diante. Para completar a
resposta: esqueço-me, às vezes, no meu quarto de dormir, que é também
escritório, gabinete de leitura e domicílio da máquina de escrever - esqueço-me
da presença do televisor. Porque sempre gostei do sexo oposto, quando me sinto
sem o calor feminino, compareço, pela televisão, ao programa "Essas
Mulheres Maravilhosas", de J. Silvestre.
Como outros sociólogos
brasileiros, você também acha que a televisão, com essa mania de enlatados
estrangeiros e de transmissões em cadeias nacionais, se vai transformando em
verdadeiro agente de "colonialismo cultural"? Estará contribuindo
realmente para apagar da memória coletiva das populações regionais brasileiras
os traços culturais genuinamente autóctones?
A cultura brasileira, em que
Portugal, França, negros, índios e mestiços misturavam suas tradições, essa já
foi expulsa do Brasil. Culpados principais, pelo poder do dinheiro: a
"Rede Globo" e outras redes estrangeiras de menor relevo e, por isso
mesmo, de menor perigo de poluição para a cultura brasileira - menina que não
pôde crescer. Finalmente: o regional, no Brasil, afoga-se no "colonialismo
estrangeiro". Assim, não teve tempo, ao menos, de tornar-se nacional.
Que deveríamos fazer para
salvaguardar a nossa cultura regional dessa derrocada, livrando-a, em tempo,
desses transplantes indesejáveis?
No Brasil, fôra mais fácil
levantar pirâmides e esfinges do que levar a cultura brasileira ao seu
verdadeiro destino. Afinal, para salvaguardar essa cultura, só vejo e encontro
este caminho: substituir no Governo da República, no Governo dos Estados, no
Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas, muitos dos seus atuais
ocupantes. Os nossos dirigentes - falo com o devido respeito - até lembram, sob
alguns aspectos, norte-americanos naturalizados brasileiros. Substituí-los por
brasileiros natos, isto é, autênticos, sem o vício ou pecado de,
espontaneamente, se deixarem levar por interesses pessoais e assumirem a
condição de súditos de Reagan (Ronald Reagan, então presidente dos Estados
Unidos) e seus antecessores, até à morte da influência inglesa no Brasil - eis
o caminho certo.
Sabemos que, ao lado da
Literatura e da Sociologia, a Psicologia também o seduziu. Como tem passado até
hoje o psiquiatra e psicanalista que você não chegou a ser?
Sem frustração. Faltou-me tempo
para desesperar. O ano passado, matei saudades do que não fui, lendo
"Psiquiatria Básica", grande livro de Gerardo da Frota Pinto. Leiam,
os idosos (palavra para não ofender de sexagenários para cima), o capítulo 12
("Velhice e Senectude"). Já é um consolo a gente se conhecer nas
fronteiras do fim da vida.
Falemos agora do advogado.
Vale a pena?
Para os que não escrevem
contos, poemas, sociologia, artigos de jornal, vale.
Qual foi a injustiça que mais
o magoou?
O meu afastamento do
magistério por dez anos. Autor do crime: o governador Menezes Pimentel.
Ingrato! Sempre fui desassombrado defensor dos negros, quer os do Brasil, quer
os de países racistas, como os Estados Unidos e a África do Sul.
Na sua opinião, a vida tem
uma finalidade?
Tinha: a de procriar, para a
sobrevivência do homem. Hoje, não vale a pena fecundar ventres. O Apocalipse
nuclear é o presente dos imperialismos para os nossos filhos. Amar, para ter
filhos, é cavar sepulturas antecipadas.
Que espécie de vida espera
encontrar após a morte física?
Como alma, ser dotado da
quarta dimensão e, graças a ela, entrar numa casa fechada, sem necessidade de
bater palmas ou pedir que abram a porta. Outra vantagem, segundo o Espiritismo:
viajar com a rapidez do pensamento, sem utilizar qualquer meio de transporte e
- o que seduz - não ter de pagar passagem. Falo assim por brincadeira.
Espírito, eu continuaria na minha casa, entre livros com a marca das minhas
mãos e dos meus olhos. Continuaria inimigo da rua, principalmente da rua de
metrópole - sem silêncio, sem tréguas para uma conversa sobre Arte, Ciência e
Literatura. Por isso, meus queridos adversários, não me temam depois de morto.
Asseguro: não lhes aparecerei, nem de noite, nem de dia, como falam os homens
gramaticalmente despreocupados.
Miguel Gurgel do Amaral,
católico praticante e homem de bem, nutria por você uma grande amizade. Dizia
ter esperança de ainda vê-lo na Igreja. Presenciei, certa feita, quando ele,
com um olhar cheio de respeito e esperança, lhe disse estar confiante de que,
um dia, haveria de vê-lo ajoelhado. Não se falando sério ou por simples
gracejo, você lhe respondeu: "Só se for para dar um tiro, Miguel!".
Pensa atualmente assim?
Sempre fui um homem que não
muda facilmente de idéias. Ajoelhar não significa, absolutamente, não ser
materialista. Por educação, não vou deixar de ajoelhar-me ou beijar anel de
bispo. Honesto comigo mesmo, jamais quis aprender a rezar. Menino, meus pais -
grandes católicos - tudo fizeram para que eu aprendesse o Padre-Nosso e a Ave-Maria.
Também foram em vão os bolos de palmatória, para que eu dormisse de camisola.
Em resposta à imposição, passei a vestir a roupa e os sapatos de domingo, para
depois cair na rede. Até hoje, pela força, ninguém nada conseguiu de mim. E
isso me dá prazer.
DESABAFO NACIONAL
Como vê a Política e os
políticos brasileiros de hoje?
Sem Política Científica
jamais poderá haver políticos autênticos. Acha que Tancredo, Maluf, Geisel,
Figueiredo, Ulysses e Montoro podem ser chamados de políticos? Ocorre no Brasil
porque, neste País, os mentirosos sempre ficaram fora da cadeia.
Social e politicamente, qual
é o regime com que você sempre sonhou?
Antes de tudo, troquemos o
"qual é" pelo "qual foi". Os que têm acompanhado a minha
modesta, porém inquieta e autêntica vida política, sabem que eu nasci para o
marxismo em 1928. Mas a ortodoxia soviética me espantou. Aliás, não existe
razão para essa ortodoxia, já que na Rússia jamais se implantou o socialismo,
caminho certo e reto para o comunismo. Na Rússia, o que se implantou, com em
todos os seus satélites, foi o mais puro capitalismo de Estado, que eu
denunciei, corajosamente, há 30 anos atrás. Você foi tocar no assunto, com
ótima intenção. Agora, o jeito é agüentar. Não existem povos e países
semelhantes entre si. Logo, não se pode implantar um mesmo regime político
nesses países e para esses povos, sem antes descer-se ao estudo de geografia,
história, costumes, religião, organização social no passado e no presente. Ora,
os soviéticos ignoraram tudo isso na inauguração do socialismo, com rota para o
comunismo. Daí a pluralidade desse comunismo: russo, chinês, cubano, albanês
etc. Dito isso, vale a pena lembrar: sem a esperada e devida ressonância, quase
ninguém soube, no Brasil, que a China trocou, há poucos dias, o marxismo pelo
capitalismo de estado, pendendo para aceitar a empresa privada, apenas com esta
diferença em relação aos países capitalistas: entendimento constante entre
empregadores e empregados. Um dos dirigentes chineses chegou mesmo a proclamar,
mais ou menos com estas palavras: "Se Marx e Lenine voltassem, hoje, ao
mundo, não teriam as mesmas idéias". Quanto ao socialismo de Tito,
diferente dos demais, trata-se apenas de um caso, sob certo aspecto,
antropogeográfico. Falta-me espaço para explicá-lo.
Hoje, com essa vivência de
mais de 80 anos, em que você mais acredita: na Revolução ou na Evolução?
Sou pela Revolução, isto é,
pelo salto, mas sem derramamento de sangue. Bastaria um estudo do país e do
povo a que e a quem se destinasse a Revolução. Uma catequese inteligente, sem
opressão e sem ódio - embora em mais longo prazo - alcançaria o êxito desejado.
A reedição completa, com acréscimos
e introdução de Maria Tereza Ayres, está disponível no endereço eletrônico: http://www.opovo.com.br/app/acervo/entrevistas/2012/10/05/noticiasentrevistas,2928075/jader-de-carvalho.shtml
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